Fonte: História Viva
Esse povo que não tomava banho, não conhecia as
letras e até praticava sacrifícios humanos precisou ser conquistado por Roma
para conhecer a civilização, certo? Errado!
O senso comum prega que os
gauleses eram um bando de guerreiros frustrados, saqueadores e brigões até que
Júlio César os transformou em um povo civilizado sob a égide de Roma. Embora
estivessem divididos em comunidades que alimentavam disputas constantes, os
gauleses obedeciam a instituições e costumes semelhantes. Recentes descobertas
arqueológicas mostram uma civilização de características próprias. A sociedade
era formada por tribos, unidade basilar que reunia várias famílias. Elas eram
lideradas por um rei, que se mantinha cercado de uma aristocracia guerreira no
comando de uma plebe composta de artesãos, camponeses e escravos. Muito cedo
trocas comerciais se estabeleceram através do Mediterrâneo, notadamente com os
gregos. Os gauleses praticavam a salga dos alimentos para conservá-los, em
particular da carne de porco. Eles desenvolveram a agricultura usando uma
espécie de ancestral da ceifadeira, uma grande caixa com rodas dentadas puxada
por um boi, enquanto os romanos ainda se serviam de foicinhos. Eles inventaram
o tonel, recipiente mais cômodo que a ânfora para o transporte e a conservação
do vinho. O artesanato era, contudo, o domínio no qual sobressaíam. Embora suas
peças de cerâmica sejam famosas, foi na ourivesaria e na produção de
instrumentos de ferro que eles se tornaram mestres, como provam as fi velas e
outros broches cuja produção demonstra uma real preocupação estética. Isso
também é prova de bom conhecimento dos minerais e domínio das difíceis técnicas
exigidas na sua extração. Além disso, os gauleses deram grande importância à
aparência e ao asseio. Adotaram as bragas, tipo de ancestrais da calça, e
inventaram o sabão à base de cinzas e de sebo – embora fosse usado
principalmente para lavar as longas cabeleiras típicas dos gauleses. Os druidas,
que exerceram um papel primordial na sociedade gaulesa, praticavam a medicina,
e a descoberta de escalpelos e lancetas em suas tumbas levam a crer que tinham
noções de cirurgia. Eles se interessavam pelo cálculo, pela geometria e pela
astrologia no intuito de determinar os locais de cultos e elaborar calendários.
Quando da conquista de César, em 52 a.C., havia um início de urbanização com as
chamadas oppida, conjunto de habitações fortificadas que contavam com os
serviços de limpeza das vias públicas.A má reputação dos gauleses se deve a
textos antigos. Os gregos tinham a lembrança do saque de Delfos em 279 a. C. e
os romanos, da tomada de Roma pelos celtas em 390 a. C. Se os primeiros
reconheciam suas qualidades guerreiras e os utilizavam como mercenários, os
segundos, humilhados, atribuíram aos gauleses uma imagem de fanfarrões,
desordenados no combate e saqueadores. Na verdade, os romanos consideravam tudo
o que não era grego ou romano como bárbaro. E César, devendo tirar o máximo de
prestígio possível de sua conquista, fizera o resto para deixar no imaginário
coletivo traços que se prestam mais aos desenhos animados, como o clássico
Asterix, do que à realidade histórica.
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