Quadro
do artista Isaías Medeiros retrata o episódio do Motim das Mulheres — Foto:
Coleção de Isaías Medeiros. Fonte: Portal G1.
Armadas
com pedras, facas, panelas e utensílios domésticos, cerca de 300 mulheres de
Mossoró, no Rio Grande do Norte, foram às ruas da cidade, destruíram os editais
que estavam pregados nas portas da igreja matriz e depredaram a sede do jornal
local. Conhecido como Motim das Mulheres, o episódio ocorrido há 150 anos, em
30 de agosto de 1875, tinha um alvo e uma causa.
O
alvo era o decreto imperial promulgado naquele ano que regulamentava o recrutamento
militar tanto para o Exército quanto para a Marinha. A causa era o pavor que o
alistamento causava nas mulheres, depois que muitas delas ficaram viúvas ou
perderam seus filhos na Guerra do Paraguai, sangrento conflito ocorrido em 1864
e 1870.
A
própria legislação, na verdade, também era uma resposta — tardia — às
cicatrizes deixadas pelo conflito bélico. A experiência, afinal, deixou claro
que o Brasil não tinha uma organização militar pronta para eventuais guerras.
Assim, regulamentar o alistamento militar de jovens era uma maneira de garantir
que o país tivesse contingente treinado e apto para campos de batalha.
"O
motim foi um movimento, uma revolta das mulheres contra a obrigatoriedade do
alistamento militar", contextualiza à BBC News Brasil o escritor e
pesquisador Geraldo Maia do Nascimento, autor de, entre outros, Mossoró na
Trilha da História. Nascimento conta que, àquela altura, a lei servia para
substituir os milhares de mortos na guerra.
Na
opinião pública, havia quem pensasse até que o Brasil estivesse a ponto de
começar novas batalhas contra o Paraguai. De forma geral, a lei foi mal
recebida. "Gerou uma insatisfação muito grande. A obrigatoriedade dos
jovens a se alistarem foi mal interpretada", comenta Nascimento.
No
livro Notas e Documentos para a História de Mossoró, o historiador Luís da
Câmara Cascudo (1898-1986) ressalta que aquele ano foi "politicamente, uma
fase de intensa vibração partidária", por conta do decreto que era parte
de um esforço para "organizar" o Ministério da Guerra.
"No
dia marcado, estavam umas 300 mulheres reunidas em Mossoró, porque as próprias
Evas dos arrabaldes haviam aderido ao motim", afirmou o depoente. O grupo
partiu em cortejo até a Igreja de Santa Luzia, local que vinha sendo utilizado
para o alistamento. "Aí foram rasgados os editais pregados nas portas da
igreja e despedaçados vários livros", descreveu.
Em
seguida, as mulheres foram até um ponto em que havia um grupo de policiais
encaminhados para "dominar a sedição". Houve então tumulto, com luta
entre solados e mulheres. "Como era natural, foram várias as feridas,
tendo a interferência de pessoas gradas da localidade evitado mais funestas
consequências", afirmou.
Em
ofício emitido pelo juiz de direito da cidade ao então presidente da Província,
em 4 de setembro, o episódio também é relatado. Segundo o texto, não seriam
300, mas "um grupo de 50 a 100 mulheres mal aconselhadas por seus maridos
e parentes" as que fizeram o motim, reduzindo a pedaços "no meio da
rua" os "papéis relativos ao alistamento".
Para
o artista plástico e pesquisador Isaías Medeiros, que produziu várias imagens
alusivas ao episódio, o que mais chama a atenção do movimento "é a força
feminina da organização, a coragem dessas mulheres de enfrentar com a força do
braço" o poder instituído.
Essas
mulheres rasgaram os editais na porta da igreja e seguiram para o jornal [O
Mossoroense, que circulou entre 1872 e 2015], na redação onde estavam sendo
produzidos os editais do alistamento. Invadiram o jornal e rasgaram os
editais", narra ele.
Arquivista
do Museu Histórico Lauro da Escóssia, em Mossoró, Deoclecio Evaristo de
Oliveira Júnior define o motim como "um protesto de várias mães que
lutaram pelo direito de seus filhos de não participarem de uma guerra".
De
acordo com verbete do Dicionário Mulheres do Brasil, organizado por Schuma
Schumaher e Erico Vital Brazil, a líder Ana Floriano ficou conhecida assim
porque era casada com Floriano da Rocha Nogueira — seu nome verdadeiro era Ana
Rodrigues Braga.
Todas
as participantes [do motim organizado por ela] eram mães de família
respeitáveis, e a cidade ficou chocada com suas ações", diz o verbete.
"Juntamente
com Ana, mais duas mulheres, Maria Filgueira, casada com um capitão, e Joaquina
de Sousa, ajudavam a organizar o movimento. À exceção de Maria Filgueira, todas
as mulheres aparecem nos relatos como Ana de Tal ou Joaquina de Tal",
ressalta o texto.
O
protesto das mulheres acabou se resumindo ao dia em si. "Após o episódio,
todas voltaram para suas casas", diz o verbete do Dicionário.