Prof.° Elisonaldo Câmara

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Mossoró/Guamaré / Pedro Avelino, Rio Grande do Norte, Brazil
Graduado em História pela UERN, Especialista em Geo-História, professor do município de Guamaré e do Estado do Rio Grande do Norte.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O montim das mulheres.

 

Quadro do artista Isaías Medeiros retrata o episódio do Motim das Mulheres — Foto: Coleção de Isaías Medeiros. Fonte: Portal G1.


Armadas com pedras, facas, panelas e utensílios domésticos, cerca de 300 mulheres de Mossoró, no Rio Grande do Norte, foram às ruas da cidade, destruíram os editais que estavam pregados nas portas da igreja matriz e depredaram a sede do jornal local. Conhecido como Motim das Mulheres, o episódio ocorrido há 150 anos, em 30 de agosto de 1875, tinha um alvo e uma causa.

O alvo era o decreto imperial promulgado naquele ano que regulamentava o recrutamento militar tanto para o Exército quanto para a Marinha. A causa era o pavor que o alistamento causava nas mulheres, depois que muitas delas ficaram viúvas ou perderam seus filhos na Guerra do Paraguai, sangrento conflito ocorrido em 1864 e 1870.

A própria legislação, na verdade, também era uma resposta — tardia — às cicatrizes deixadas pelo conflito bélico. A experiência, afinal, deixou claro que o Brasil não tinha uma organização militar pronta para eventuais guerras. Assim, regulamentar o alistamento militar de jovens era uma maneira de garantir que o país tivesse contingente treinado e apto para campos de batalha.

"O motim foi um movimento, uma revolta das mulheres contra a obrigatoriedade do alistamento militar", contextualiza à BBC News Brasil o escritor e pesquisador Geraldo Maia do Nascimento, autor de, entre outros, Mossoró na Trilha da História. Nascimento conta que, àquela altura, a lei servia para substituir os milhares de mortos na guerra.

Na opinião pública, havia quem pensasse até que o Brasil estivesse a ponto de começar novas batalhas contra o Paraguai. De forma geral, a lei foi mal recebida. "Gerou uma insatisfação muito grande. A obrigatoriedade dos jovens a se alistarem foi mal interpretada", comenta Nascimento.

No livro Notas e Documentos para a História de Mossoró, o historiador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) ressalta que aquele ano foi "politicamente, uma fase de intensa vibração partidária", por conta do decreto que era parte de um esforço para "organizar" o Ministério da Guerra.

"No dia marcado, estavam umas 300 mulheres reunidas em Mossoró, porque as próprias Evas dos arrabaldes haviam aderido ao motim", afirmou o depoente. O grupo partiu em cortejo até a Igreja de Santa Luzia, local que vinha sendo utilizado para o alistamento. "Aí foram rasgados os editais pregados nas portas da igreja e despedaçados vários livros", descreveu.

Em seguida, as mulheres foram até um ponto em que havia um grupo de policiais encaminhados para "dominar a sedição". Houve então tumulto, com luta entre solados e mulheres. "Como era natural, foram várias as feridas, tendo a interferência de pessoas gradas da localidade evitado mais funestas consequências", afirmou.

Em ofício emitido pelo juiz de direito da cidade ao então presidente da Província, em 4 de setembro, o episódio também é relatado. Segundo o texto, não seriam 300, mas "um grupo de 50 a 100 mulheres mal aconselhadas por seus maridos e parentes" as que fizeram o motim, reduzindo a pedaços "no meio da rua" os "papéis relativos ao alistamento".

Para o artista plástico e pesquisador Isaías Medeiros, que produziu várias imagens alusivas ao episódio, o que mais chama a atenção do movimento "é a força feminina da organização, a coragem dessas mulheres de enfrentar com a força do braço" o poder instituído.

 

 

Essas mulheres rasgaram os editais na porta da igreja e seguiram para o jornal [O Mossoroense, que circulou entre 1872 e 2015], na redação onde estavam sendo produzidos os editais do alistamento. Invadiram o jornal e rasgaram os editais", narra ele.

Arquivista do Museu Histórico Lauro da Escóssia, em Mossoró, Deoclecio Evaristo de Oliveira Júnior define o motim como "um protesto de várias mães que lutaram pelo direito de seus filhos de não participarem de uma guerra".

De acordo com verbete do Dicionário Mulheres do Brasil, organizado por Schuma Schumaher e Erico Vital Brazil, a líder Ana Floriano ficou conhecida assim porque era casada com Floriano da Rocha Nogueira — seu nome verdadeiro era Ana Rodrigues Braga.

Todas as participantes [do motim organizado por ela] eram mães de família respeitáveis, e a cidade ficou chocada com suas ações", diz o verbete.

"Juntamente com Ana, mais duas mulheres, Maria Filgueira, casada com um capitão, e Joaquina de Sousa, ajudavam a organizar o movimento. À exceção de Maria Filgueira, todas as mulheres aparecem nos relatos como Ana de Tal ou Joaquina de Tal", ressalta o texto.

O protesto das mulheres acabou se resumindo ao dia em si. "Após o episódio, todas voltaram para suas casas", diz o verbete do Dicionário.

 


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