Prof.° Elisonaldo Câmara
- História em Foco
- Mossoró/Guamaré / Pedro Avelino, Rio Grande do Norte, Brazil
- Graduado em História pela UERN, Especialista em Geo-História, professor do município de Guamaré e do Estado do Rio Grande do Norte.
terça-feira, 1 de dezembro de 2020
A comuna do RN: como um sapateiro, um estivador, um sargento e um servidor público transformaram Natal na primeira capital comunista das Américas.
POR: BRUNO BARRETO.
O governador do Rio Grande do Norte Rafael Fernandes Gurjão caminhava para mais
uma solenidade maçante (no caso a formatura dos contabilistas do Colégio Santo
Antônio) daquelas cheias de bajuladores, que os políticos só vão por obrigação,
no Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão).Era por volta das 19h30 do dia
23 de novembro de 1935 e o governador nem fazia ideia do que estava por vir até
que surge no vácuo o som dos estampidos. Começava naquele momento o que para a
direita se convencionou chamar de Intentona Comunista de 1935 e para a esquerda
se tenta dar o nome de Levante ou Insurreição no lugar da palavra que significa
“cometimento temerário” ou “plano insensato”. No quartel do 21º Batalhão de
Caçadores do Exército um grupo de sargentos tomou o controle, quebrou a
hierarquia e prendeu oficiais em nome de Luís Carlos Prestes, conhecido como
“Cavaleiro da Esperança”, líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL). No Rio de
Janeiro e em Recife também teríamos sublevações, mas as duas cidades não foram
tão longe quanto Natal. A capital dos potiguares tornava-se naquele 23 de
novembro a primeira cidade comunista das Américas. A revolução, intentona,
levante ou insurreição espalhou pelo Rio Grande do Norte e quase metade do
Estado foi tomado de assalto. À frente do movimento estavam tipos populares como
sapateiro José Praxedes que proclamou a instauração de uma Junta Governativa
Popular Revolucionária. Mossoró estava representada pelo funcionário do Colégio
Atheneu João Galvão. Além de João Francisco Gregório, presidente do Sindicato
dos Estivadores que assumiu o controle do cais do porto. O líder militar do
movimento era o Sargento Quintino Clementino Barros, um músico. Ele tomou o
quartel do 21º BC do Exército em poucos minutos com a ajuda do soldado Raimundo
Francisco de Lima (“Raimundo Tarol) e o cabo Giocondo Dias (“Cabo Dias”).Os
oficiais rendidos não aceitaram aderir à revolução e ficaram presos no cassino
do quartel. Coube ao “Cabo Dias” pronunciar a voz de prisão: “os senhores estão
presos em nome do capitão Luiz Carlos Prestes!”. Enquanto isso o governador e
seu séquito fugiam. Primeiro Rafael Fernandes se escondeu no consulado
improvisado do Chile. Depois no da Itália e por fim foi parar em um navio
mexicano ancorado no porto de Natal onde ficou até ter o poder restabelecido com
ajuda de forças policiais da Paraíba. Foram três asilos políticos em três dias.
Durante pouco mais do que três dias, ou 82 horas como apontam alguns
historiadores, ocorreram saques, ou expropriações, todo o dinheiro do Banco do
Brasil foi raspado e parte dele distribuído entre os pobres. O bonde passou a
funcionar com preços das passagens reduzidos e a revolução se espalhou por quase
metade das 41 cidades potiguares naquela época.Com a chegada de forças militares
da Paraíba e com o fracasso do levante no Rio de Janeiro e em Recife os
sublevados decidiram por evitar um banho de sangue e fugiram no dia 27 de
novembro. Há menos de um mês Rafael Fernandes tinha tomado posse no cargo em
tumultuado processo eleição indireta. Era primeiro (e seria o único) governador
sob a égide da liberal constituição de 1934.A confusão se dava pela eleição de
1934 que manteve os padrões da República Velha (1889/1930) com fraudes,
violência e voto de cabresto, três elementos que findam sendo uma coisa só: o
desrespeito à vontade do eleitor. Foi neste pleito que escolheu os deputados que
elegeriam o Governador do Rio Grande do Norte de forma indireta. As forças
políticas que davam as cartas no Estado estavam divididas entre o Partido
Popular (PP) que reunia os oligarcas derrotados no Golpe de 1930 e o a união dos
grupos de Café Filho e do ex-interventor Mário Câmara que formavam a Aliança
Social. Na primeira contagem a dupla Café Filho e Mário Câmara levou a melhor,
mas o PP denunciou fraudes e o recém-criado Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
determinou novas eleições. Novamente o tripé voto de cabresto, violência e
fraudes estavam postas lado a lado. No fim o PP venceu elegendo três deputados
federais e 14 estaduais contra dois federais e 11 estaduais de seus adversários.
Rafael Fernandes virou governador, mas teria que lidar com o ranço dos
adversários que passaram a conspirar diariamente. Não era uma conspiraçãozinha
de gabinete. Era algo aberto e provocador. Assim relata Natanael Sarmento em “Às
Armas Camaradas!” (pág.30) “As tramas conspiratórias à deposição de Rafael
Fernandes eram públicas, os conspiradores não davam importância à
confidencialidade. A movimentação dos chefes políticos interioranos, prefeitos,
ligados ao interventor Mário Câmara, e as confabulações dos partidários de João
Café Filho, ocorriam à luz do dia”. A disputa entre duas pontas da elite
política acabou aproximando membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da
ANL aos derrotados da eleição de 1935. Era uma situação que enfraquecia
politicamente o governador e contribuiu para o levante comunista. Para piorar a
situação, Fernandes tinha demitido 300 guardas-civis que estavam indignados e
prontos para aderir à revolução. Tudo isso em um contexto do mundo entre guerras
(1918/39) em que a polarização entre antifascismo e comunismo esmagava a
democracia liberal. Isso, claro, se refletia num Brasil que dali a dois anos
sofreria com o Golpe do Estado Novo. As tensões no Rio Grande do Norte eram
reflexas das disputas entre a ANL e a Ação Integralista Brasileira (AIB) – de
orientação fascista- em que o próprio Getúlio Vargas tentara se equilibrar entre
os polos para, ao golpear a frágil democracia brasileira em 1937, colocar os
dois grupos na ilegalidade. Bruno Barreto,Jornalista graduado em comunicação com
habilitação em jornalismo pela UERN, especialista em assessoria de comunicação
pela UnP e mestre em ciências sociais e humanas pela UERN.
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