Pouca gente se dá
conta, mas muitos hábitos, conceitos e objetos tão presentes no nosso
dia-a-dia, inclusive o próprio idioma que falamos, vêm daquela época.
Muitos professores
consideram especialmente árdua a tarefa de ensinar História Medieval. A
distância que separa os alunos de época tão remota argumentam alguns, seria um
dos principais obstáculos. Como despertar seu interesse por tema tão antigo?
Como passar às novas gerações conceitos, ideias
e fatos que, aparentemente, têm
tão pouco a ver com o mundo de hoje?
Mas seria bem
diferente se eles mostrassem a seus discípulos que, como veremos a seguir, e
embora muita gente não se dê conta, nosso próprio cotidiano está impregnado de
hábitos, costumes e objetos que vêm de muito mais longe do que se pode
imaginar.
Ao tratarmos da
História do Brasil, por exemplo, a tendência é começar no dia 22 de abril de
1500, quando Pedro Álvares Cabral e os tripulantes de sua esquadra
“descobriram” nossa terra. Mas aqueles homens não traziam atrás de si, dentro
de si, toda uma história? Não trouxeram para cá amplo conjunto de instituições,
comportamentos e sentimentos? Aquilo que é até hoje o Brasil não tem boa parte
da sua identidade definida pela longa história anterior de seus
“descobridores”? Dizendo de outro modo, nossas raízes são medievais, percebamos
ou não este fato.
Pensemos num dia
comum de uma pessoa comum. Tudo começa com algumas invenções medievais: ela põe
sua roupa de baixo (que os romanos conheciam, mas não usavam), veste calças
compridas (antes, gregos e romanos usavam túnica, peça inteiriça, longa, que
cobria todo o corpo), passa um cinto fechado com fivela (antes ele era
amarrado).
A seguir, põe uma
camisa e faz um gesto simples, automático, tocando pequenos objetos que também
relembram a Idade Média, quando foram inventados, por volta de 1204: os botões.
Então ela põe os óculos (criados em torno de 1285, provavelmente na Itália) e
vai verificar sua aparência num espelho de vidro (concepção do século XIII).
Por fim, antes de sair olha para fora através da janela de vidro (outra
invenção medieval, de fins do século XIV) para ver como está o tempo.
Ao chegar à escola
ou no trabalho, ela consulta um calendário e verifica quando será, digamos, a
Páscoa este ano: 23 de março de 2008. Assim fazendo, ela pratica sem perceber
alguns ensinamentos medievais. Foi um monge do século VI que estabeleceu o
sistema de contar os anos a partir do nascimento de Cristo. Essa data (25 de
dezembro) e o dia de Páscoa (variável) também foram estabelecidos pelos homens
da Idade Média. Mais ainda, ao escrever aquela data – 23/3/2008 –, usamos os
chamados algarismos arábicos, inventados na Índia e levados pelos árabes para a
Europa, onde foram aperfeiçoados e difundidos desde o começo do século XIII.
O uso desses
algarismos permitiu progressos tanto nos cálculos cotidianos quanto na
matemática, por serem bem mais flexíveis que os algarismos romanos
anteriormente utilizados. Por exemplo, podemos escrever aquela data com apenas
sete sinais, mas seria necessário o dobro em algarismos romanos
(XXIII/III/MMVIII).
Assim, estudar História Medieval é tão legítimo quanto optar
por qualquer outro período. Mas não se deve, é claro, desprezar pedagogicamente
a relação existente entre a realidade estudada e a realidade do estudante.
Neste sentido, pode ser estimulante mostrar que, mesmo no Brasil, a Idade
Média, de certa forma, continua viva. Hilário Franco Júnior. Texto retirado de “Revista de História da Biblioteca
Nacional”, publicado em 01/03/2008.
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